Câmara de São Paulo aprova CPI para apurar suspeitas de desvios em recursos de restauração do Jockey repassados a empresas associadas a Marconi Perillo

 Investigação realizada pelo UOL revelou o uso irregular de R$ 22,4 milhões da Lei Rouanet e R$ 61,2 milhões contestados por ligação a empresas familiares do ex-governador de Goiás 

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou, nesta quarta-feira, 29, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar eventuais irregularidades fiscais e imobiliárias das atividades no Jockey Club da capital paulista. A decisão vem após suspeitas de que o local teria recebido R$ 83,6 milhões em incentivos fiscais que seriam revertidos à restauração da sede histórica. Contudo, uma investigação do UOL aponta que parte dos valores foram distribuídos para uma rede de empresas com ligações familiares e políticas do ex-governador de Goiás, Marconi Perillo, que também é conselheiro da instituição centenária. 

Segundo a Câmara de São Paulo, a CPI vai investigar a gestão de débitos tributários, alienação de potencial construtivo e eventual omissão do Poder Público na situação. A criação da Comissão atende ao pedido do vereador Gilberto Nascimento (PL), que será o presidente. Os vereadores ainda aprovaram um aditamento para aumentar de sete para nove o número de integrantes desta CPI. Apesar disso, ainda não data nem horário para instalação do colegiado. 

Os vereadores precisaram alterar o Regimento Interno para autorizar a criação e instalação de até quatro CPIs em caráter excepcional para as sessões legislativas de 2025 e 2026. 

Investigação 

De acordo com a investigação do UOL, foram repassados ao Jockey Club R$ 22,4 milhões pela Lei Rouanet e R$ 61,2 milhões contestados pela Prefeitura de São Paulo. As despesas, apresentadas como justificativa para os repasses, incluem pagamentos a uma construtora fantasma, jantares em restaurantes de luxo com consumo de vinho, despesas em farmácias e até mesmo o aluguel de um equipamento enviado para uma cidade sem qualquer relação com as obras do hipódromo.

No centro da controvérsia está a produtora cultural Elysium, que se tornou a procuradora do Jockey em 2020. Curiosamente, a empresa foi transformada em uma Organização Social de Cultura (OSC) em 2014 por meio de um decreto assinado por Marconi Perillo. Desde então, a organização experimentou um crescimento exponencial, atingindo o ápice em 2025 com quatro aprovações simultâneas via Lei Rouanet, todas vinculadas ao Jockey Club.

Documentos analisados pela reportagem do UOL demonstram que a Elysium atuou como um eixo central, coordenando o restauro e contratando fornecedores. Subsequentemente, uma série de pagamentos foi direcionada a empresas intimamente ligadas à família de Débora Perillo, prima de Marconi Perillo.

Notas fiscais questionáveis e serviços fantasmas

A investigação expõe, ademais, inconsistências na prestação de contas. O Jockey Club declarou à Prefeitura de São Paulo, através do mecanismo de Transferência do Direito de Construir (TDC), ter pago R$ 20,4 milhões a três fornecedores específicos. Contudo, a realidade desses pagamentos é contestada.

Primeiramente, o escritório Ambiência Arquitetura e Restauro, de São Paulo, foi citado como receptor de R$ 1 milhão. A arquiteta Ana Ditolvo, porém, negou ao UOL categoricamente ter executado serviços nesse valor e escopo para o projeto do TDC, confirmando ter realizado outros trabalhos para o Jockey, mas nunca na magnitude mencionada.

Em segundo lugar, a Construtora Vidal foi apontada como a principal executora, responsável por serviços avaliados em R$ 11,2 milhões. A reportagem do UOL, no entanto, não conseguiu localizar a empresa em nenhum dos endereços fornecidos, em São Paulo e Goiânia. O endereço paulistano, localizado no nobre bairro do Itaim Bibi, corresponde a um apartamento residencial, cujo condomínio, no valor de R$ 1.735, foi curiosamente incluído como despesa do projeto de restauro nas contas apresentadas ao Ministério da Cultura (MinC) e à prefeitura. O condomínio é pago em nome de Wolney Unes, diretor técnico da Elysium, e o imóvel é ocupado por sua filha. Em Goiânia, a situação se repete: o suposto escritório também funciona em um prédio residencial.

A terceira empresa, a Construtora Biapó, confirmou ao UOL ter prestado serviços, mas não revelou o valor cobrado, que foi declarado como R$ 3,5 milhões pelo Jockey.

Um dos aspectos do caso é a aparente dupla prestação de contas. A gestão municipal, comandada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), rejeitou as contas do Jockey referentes ao TDC após o clube apresentar, para justificar o uso de recursos municipais, as mesmas notas fiscais já utilizadas para comprovar o uso dos recursos federais da Lei Rouanet.

Despesas pessoais e a justificativa da administração

Os comprovantes obtidos pelo UOL pintam um quadro de utilização de recursos públicos para custear despesas de natureza pessoal ou, no mínimo, questionável. Entre os itens apresentados na prestação da Lei Rouanet estão:

  • Compras em farmácias, como chá-mate, sal de frutas e o medicamento Eparema (R$ 21).
  • Jantares em restaurantes badalados, como Dom Mariano (R$ 482) e Aze Sushi (R$ 385), com consumo de vinho.
  • Uma refeição no requintado Osaka, nos Jardins, com sobremesa e gorjeta (R$ 803).
  • Despesas em Goiânia, como dedetização (R$ 200), higienização de tapete (R$ 300), conta de água (R$ 499) e IPTU (R$ 975).

A Elysium justificou tais gastos como “despesas administrativas”, alegando que a Lei Rouanet permite um limite de 15% para este fim. O MinC, porém, ressalvou que esses custos são permitidos apenas quando estritamente necessários à gestão do projeto e proporcionais a ele.

Além disso, o ministério é taxativo ao proibir o reembolso de bebidas alcoólicas. A produtora, em contrapartida, afirmou que “não houve consumo de álcool pago com recursos públicos”.

A defesa dos envolvidos e as investigações

Diante das acusações, os envolvidos adotaram posturas de negociação. Marconi Perillo, contactado pelo UOL, “negou veementemente” ter indicado a Elysium para o Jockey. Afirmou conhecer Débora Perillo “apenas de vista”, classificando-a como “prima de terceiro grau”, e atribuiu qualquer ligação a uma “coincidência” por ambos serem de Goiás. “Não participei de nenhuma escolha e não sou responsável por acompanhar esse trabalho. Qualquer ligação com meu nome é uma leviandade absurda”, declarou.

O presidente do Jockey, Marcelo Motta, adotou uma linha de defesa diferente. Ele afirmou ao UOL que “devido ao seu caráter privado, quem o Jockey contrata diz respeito apenas a ele”. Em nota oficial, o clube alegou que seus processos de prestação de contas estão regulares e criticou o que chamou de “interesses nada republicanos” e uma tentativa de desvalorizar o imóvel para justificar uma desapropriação.

A Elysium, por meio de sua assessoria, emitiu uma nota na qual nega atuar com recursos do TDC e reafirma a legalidade de seus procedimentos dentro dos limites da Lei Rouanet.

O Jornal Opção também entrou em contato com o ex-governador de Goiás, Marconi Perillo, para comentar sobre as suspeitas envolvendo a destinação de verbas da Lei Rouanet no Jockey Club de São Paulo. Em nota, ele afirmou que a reportagem do UOL que o cita seria, segundo suas palavras, “para ser delicado, desonesta”. Ele destacou que todas as informações já teriam sido esclarecidas e criticou o fato de o portal “insistir em publicar ilações” mesmo após as explicações.

Perillo também negou qualquer vínculo com a empresa mencionada na investigação. Segundo ele, a suposta relação se resumiria a “duas coincidências”: o fato de a companhia ser de Goiás e de uma das sócias ter o mesmo sobrenome que o seu. O ex-governador reforçou que não possui qualquer parentesco ou relação com a empresária citada e afirmou que a empresa já prestava serviços ao Jockey “três anos antes de eu me tornar sócio”.

Em sua defesa, Marconi declarou ainda que a empresa “é uma das melhores do Brasil do ponto de vista técnico para projetos de restauro” e encerrou a nota dizendo que a reportagem teria “transformado informações técnicas em panfleto político”, completando: “Eu não posso me calar.”

Obras inacabadas

Apesar dos milhões injetados, a realidade física do Jockey Club conta uma história diferente dos relatórios financeiros. Enquanto o clube divulga em seu site os avanços em áreas nobres, como o salão nobre e a tribuna dos sócios, a reportagem constatou o abandono em outras partes do complexo.

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