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Campanha desinforma sobre regulação da IA às vésperas de votação de projeto

Mário Agra/Câmara dos Deputados



Às vésperas da votação da proposta de regulamentação da inteligência artificial no Brasil, parlamentares e perfis de oposição têm realizado uma campanha desinformativa nas redes para atacar o PL 2.338/2023. Os posts mentem ao afirmar que o projeto daria ao governo o poder de controlar as informações postadas pelos usuários.

A Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial adiou pela terceira vez a votação do relatório sobre o projeto que regulamenta o tema no Brasil (PL 2.338/2023). Ainda não há nova data para a votação. A proposta motivou muito debate na reunião da última terça-feira (9) do colegiado.

Usando a hashtag #PL2338NÃO, a campanha ganhou força na última sexta-feira (5) — um dia depois de o relator do projeto, senador Eduardo Gomes (PL-TO), apresentar uma nova atualização do texto. Os posts têm atacado, sobretudo, trechos que determinam que criadores e aplicadores de modelos de IA devem evitar que os sistemas coloquem em risco a "integridade da informação".

Na prática, esse dispositivo ajuda a evitar que tecnologias de IA generativa sejam usadas, por exemplo, para a criação de deepfakes — vídeos e áudios que simulam a imagem ou a voz de uma pessoa real. A responsabilidade de analisar o risco e apresentar propostas para evitar o mau uso do sistema caberia à própria empresa responsável pelo desenvolvimento do modelo.

Opositores do projeto, no entanto, têm deturpado o conceito nas redes para alegar que a regulação da IA dará ao governo poder de censura. Na prática, é mais um projeto que contraria o interesse das big techs e que vira alvo da mesma estratégia usada para atacar projetos na mesma linha, como o "PL das Fake News" (PL 2.630/2020), que voltou à estaca zero em abril.

O argumento foi publicado nas redes na última sexta (5) pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), um dos parlamentares que se engajaram na campanha. "No apagar das luzes o Senado quer aprovar a Lei da Inteligência Artificial (PL 2338/23). O que ninguém te contou é que o texto foi redigido pela filha do Gilmar Mendes e abre a porteira para a regulação das redes sociais por canetada do executivo, sem passar pelo congresso", afirmou o parlamentar, em post que teve quase 550 mil visualizações.

Ferreira tentou amenizar o ataque à advogada Laura Schertel Mendes no dia seguinte, afirmando que tinha apenas informado sua participação na redação do projeto. O parlamentar reiterou outra vez, no entanto, que é contra a proposta.

Os mesmos argumentos publicados por Nikolas foram replicados também por um perfil apócrifo no X com 178 mil seguidores. "O Senado vai tentar instalar a CENSURA através do PL 2.338/23 (Inteligência Artificial), de autoria de Rodrigo Pacheco, que será votado na terça-feira!", dizia o post, que instigava usuários a subirem a hashtag contra o projeto.

A conta também desinformou ao alegar que as redes seriam enquadradas como "sistemas de alto risco" e ficariam "sob a apuração de Lula, que pode iniciar procedimentos administrativos, aplicar multas milionárias e redigir normas infralegais para disciplinar as redes".

O que diz a lei. A campanha desinformativa atribui ao Executivo e ao presidente da República um poder que não está previsto no projeto de lei, explica Rafael Zanatta, diretor da Associação Data Privacy Brasil

O texto prevê que a tarefa de fiscalizar a aplicação da lei fique com o SIA (Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial), que é composto por órgãos que possuem independência em relação ao Executivo, como o Banco Central e outras agências setoriais. "O Executivo não compõe o SIA", reforça Zanatta.

Segundo o projeto, a coordenação do grupo ficará sob a responsabilidade da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados). O diretor-presidente da entidade, Waldemar Gonçalves Ortunho Júnior, é um coronel que foi indicado para o cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Seu mandato, que precisou da aprovação do Senado, vai até 2026.

Soberania

A última versão do PL 2.338/2023 fez mudanças pontuais no texto que havia sido apresentado em junho:O relatório reforçou a obrigação de as big techs remunerarem detentores de direitos autorais, como artistas, que tiverem suas obras usadas para treinar modelos de IA;
O novo texto também enfatiza a necessidade de mitigação dos impactos da IA no mercado de trabalho, como demissões em massa causadas pela substituição de mão de obra por robôs;
O relator também acolheu demandas da indústria e amenizou a aplicação do conceito de "sistemas de alto risco", que devem obedecer a normas mais restritas de desenvolvimento e uso.

Horas antes de apresentar sua nova versão para o projeto, o senador Eduardo Gomes encaminhou as mudanças à comissão temporária do Senado que debate o tema.

Ao abrir a sessão, o presidente do colegiado, senador Carlos Viana (Podemos-MG), explicou que o texto estava sendo apresentado com antecedência para análise dos setores afetados pelo debate, mas enfatizou que "não será um setor ou outro quem vai direcionar o relatório", que precisa "atender aos interesses do país".

"Nós temos, por soberania, o direito e a obrigação de criarmos a nossa própria versão e legislação sobre a questão de inteligência artificial e nós não vamos abrir mão dessa nossa prerrogativa", declarou.

Já o relator do projeto voltou a fazer críticas ao movimento que tem forçado o adiamento da votação do texto e cobrou respeito ao que foi acertado durante as negociações. "Vamos avançar pelo menos naquilo que a gente já acordou, porque, senão, não é negociação, senão é protelação, senão é boicote", disse Gomes, que lembrou que o texto ainda deve ser discutido no plenário do Senado e na Câmara.

Esta é a quarta versão do relatório de Gomes, que é baseado sobretudo no texto do PL 2.338/2023, construído por um grupo de juristas e apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Outro lado. O deputado Nikolas Ferreira foi procurado pelo Aos Fatos, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

O caminho da apuração

Ao notar uma recomendação da rede social X para a hashtag #PL2338NÃO, o Aos Fatos coletou posts que participavam da campanha e os submeteu à análise de especialista.

Também acompanhamos, pelo YouTube, a sessão do dia 4 da Comissão Temporária de Inteligência Artificial do Senado que discutiu o novo relatório do PL da IA. A reportagem comparou o texto atualizado com a versão anterior e ouviu um especialista para entender as principais mudanças.

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